Análise por Vesna Peric Zimonjic
BELGRADO (IDN) – A violenta ruptura da antiga Iugoslávia aconteceu há não mais de duas décadas. A paz foi estabelecida na região por volta dos anos 90. Porém, para aqueles que dificilmente conhecem sobre a brutal violência e desastre humanitário que acompanhou a ruptura política, pouco pode parecer ter mudado.
“Não há mais manifestações, mas a retórica política e falta de recuperação econômica profunda mantém as pessoas presas em um passado recente, com pouca visão de um futuro melhor”, disse o proeminente professor de sociologia Ratko Bozovic. “Existem novas gerações em toda antiga Iugoslávia que não conhece nada além de como esta ou aquela guerra aconteceu. ”
O professor explicou que nenhuma real compreensão quanto às causas, acompanhada por uma baixa perspectiva, cria um solo fértil para maiores confusões dentre os jovens que devem carregar sua nação para o futuro.
“Muitas estruturas políticas criadas durante as guerras, e que sobrevivem até hoje, permanecem sendo o principal obstáculo para lidar com os efeitos das guerras”, disse Daliborka Uljarevic, chefe da eminente organização não-governamental Centre for Citizens’ Education (CCE), em uma recente mesa redonda sobre sociedades Bálcãs pós-conflitos. A título do evento foi “Como os políticos veem o processo de reconciliação da região”.
O caminho para reconciliação ainda é lento. As guerras na antiga Iugoslávia começaram quando duas de suas repúblicas, Eslovênia e Croácia, declararam independência em 1991, seguidas por Bósnia e Herzegovina em 1992. Tais ações tiveram oposição de Belgrado, capital da Sérvia e da federação de seis membros. A guerra na Eslovênia etnicamente homogênea durou apenas 10 dias, com poucas vítimas e um rápido acordo entre Liubliana e Belgrado, que retirou duas tropas da Eslovênia.
Porém, sob o pretexto de proteger os interesses dos Sérvios, que tinham significativa parte da população na Croácia e particularmente na Bósnia e Herzegovina, o regime de Belgrado de Slobodan Milosevic enfrentou tanto o exército federal quanto unidades paramilitares da Sérvia, lutando ferozmente contra as ações de independência. A Croácia e a Bósnia responderam com as criações de suas próprias forças armadas, que lutaram no que foi chamado de “a agressão sérvia”.
Na guerra de 1991-95, mais de 120.000 pessoas morreram, a maioria delas não-Sérvios, ou seja, muçulmanos bósnios e croatas. O número de deslocados na Bósnia e Herzegovina no ponto alto da guerra alcançou quase dois milhões, dentre uma população de 4,3 milhões de pessoas. As pessoas se deslocaram para as áreas onde sua etnia prevalecia no país, sérvios foram para áreas sérvias e muçulmanos e croatas para áreas muçulmanas e croatas.
Quanto à economia, a Comissão Estadual de Auditoria Croata estimou danos de 36 bilhões de dólares, com destruição de 180.000 casas e 25 por cento da economia. Na Bósnia Herzegovina, o professor da Universidade de Sarajevo Duljko Hasic estimou recentemente danos de 15,6 bilhões de dólares durante os 44 meses do cerco da capital pelos exércitos sérvios da Bósnia e da Iugoslávia.
Nenhuma das economias na região alcançou o nível do produto interno bruto de 1989, o ano pré-guerra estabelecido por economistas regionais como base de comparação.
“O desenvolvimento sustentável ainda está há anos da região”, diz o professor de economia de Belgrado Miodrag Zec. “Não apenas pelas guerras, mas também por causa da desintegração da produção comum na antiga Iugoslávia, desintegração de seu mercado comum e baixo crescimento devido às mudanças econômicas que ocorreram nos anos 90”, acrescentou ele. “O que quer que tenha sido alcançado no período pós-guerra foi reduzido com a crise econômica global desde 2008”, explicou Zec.
Milhares de pessoas ainda estão desaparecidas, e crimes de guerra ainda estão sendo processados ante o Tribunal Penal Internacional da ONU para a antiga Iugoslávia (ICTY).
Um dos casos mais horrendos foi o massacre de mais de 7.000 homens e garotos muçulmanos por bósnios sérvios em Srebrenica, uma pequena encruzilhada muçulmana na Bósnia Oriental, em julho de 1995. Desde então, cerca de 5.000 vítimas foram desenterradas de covas rasas e identificadas por análises de DNA. Covas em massa ainda estão sendo descobertas nas áreas montanhosas em volta de Srebrenica.
O massacre aconteceu apenas meses antes do Acordo de Dayton, patrocinado pelos Estados Unidos e pela comunidade internacional, que trouxe paz para a Bósnia e Herzegovina, transformando-a em um estado de duas entidades. Uma liderada por bósnios sérvios e a outra comandada juntamente por bósnios muçulmanos e croatas.
A região permanece firmemente dividida ao longo dessas linhas étnicas, com bósnios sérvios nem mesmo reconhecendo Sarajevo como sua capital, tendo uma capital própria em Banja Luka. O estado disfuncional é incapaz de fornecer até mesmo os resultados combinados de censos, que foram realizados em 2013.
“As pessoas dizem formalmente que é um estado, mas que vive com vidas completamente separadas”, diz o analista Pero Simic.
Isso acontece principalmente por causa dos retornos quase não-existentes, pois as pessoas permanecem nas áreas onde sua etnia prevalece. A troca de casas entre etnias era uma rotina no período pós-1995. Dúzias de milhares de pessoas que não podiam retornar simplesmente migraram para outros países.
O retorno foi quase impossível também para os croatas sérvios. Sua aliança com Belgrado durante a guerra e a rebelião contra a capital Zagreb desde 1991 levou à operação “Tempestade” do exército croata em agosto de 1995, quando quase 200.000 pessoas fugiram para propriedades sérvias. A região de Krajina, onde viviam, tornou-se uma área deserta.
Os generais croatas que comandaram a operação, que viram 1.800 sérvios mortos ou desaparecidos, foram absolvidos de crimes de guerra pelo ICTY.
Milhares de sérvios voltaram para Krajina, principalmente os mais velhos, mas a maioria encontrou novas vidas na Sérvia ou em outros países.
“Não existe vontade política para solucionar os problemas que os sérvios despejados encontram”, disse Miroslav Linta, alto oficial sérvio para questões de sérvios vivendo fora de propriedade do país. “Existem problemas com 40.000 casas e mais 50.000 pessoas que não podem obter suas pensões”, ele acrescentou.
Ainda assim, a justiça para as vítimas e a correção dos erros do passado parecem ser amplamente esquecidos por políticos dos três países, apesar do fato de que os líderes dos tempos de guerra Slobodan Milosevic, o croata Franjo Tudjman e o bósnio muçulmano Alija Izetbegovic estão mortos agora.
“Os políticos não veem interesse em lidar de forma adequada com problemas relacionados ao passado recente, pois não avaliam isso como um assunto que os forneça bons resultados com o público”, disse Uljarevic.
“Eles deveriam abandonar a estrutura de táticas políticas diárias e criar o contexto que fornecerá a justiça para as vítimas, verdade sobre os crimes de guerra e sentenças justas para os autores e mandantes de crimes. Essa é a condição prévia para as sociedades dos Bálcãs para construir seu povo de acordo com os valores das sociedades civis, dos direitos e da liberdade para cada indivíduo”, acrescentou.
Apenas duas repúblicas da antiga Iugoslávia deixaram a ex-federação pacificamente. A Macedônia declarou independência em setembro de 1991 e Montenegro em 2006. O que antes era a província sérvia de Kosovo seguiu o caminho da independência em 1999, e a proclamou em 2008, fechando o capítulo de uma história de estados conjuntos que foi criada em 1918. [IDN-InDepthNews – 26 de maio de 2016]