Por Kester Kenn Klomegah*
MOSCOU (IDN) – Muitos países africanos estão à procura de negócios lucrativos, investimentos e comércio, em vez de auxílios de desenvolvimento. Angola, país centro-sul-africano, agora anunciou planos corporativos para diversificar seus negócios estatais, desde a compra até a fabricação completa de equipamentos militares russos para o mercado da África Austral e possivelmente outras regiões do continente – dificultando a realização do Objetivo 16 de Desenvolvimento Sustentável, que clama por paz e justiça.
Se Angola se tornar um produtor e distribuidor-chave de armas russas, há sempre a possibilidade de algumas delas acabarem aparecendo fora de Angola, na região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) – que conta com 16 membros –, adverte o Professor David Shinn, da Elliott School of International Affairs, Universidade George Washington.
“Armas produzidas por qualquer país podem e de fato aparecem em zonas de conflito africanas. Há muita documentação, por exemplo, de que as armas fabricadas na China, na Rússia e nos países ocidentais estão sendo usadas nos conflitos em curso em Darfur, no leste do Congo e na Somália”, diz o professor Shinn, ex-embaixador dos EUA na Etiópia (1996-99) e Burkina Faso (1987-90).
Em alguns casos, os governos africanos transferiram as armas para grupos rebeldes, e muitas outras foram compradas no mercado internacional de armas, ele acrescenta.
O professor Shinn também diz que a África do Sul tem a mais avançada capacidade de produzir equipamentos militares, seguida pelo Egito. O Sudão, que recebeu assistência da China e Irã na construção de sua indústria de armas, e a Nigéria, entre outros, também têm capacidade de produzir equipamentos militares. Nesse sentido, o que Angola propõe fazer (ou seja, montar uma fábrica) não é muito diferente, exceto pelo suposto auxílio da Federação Russa.
No entanto, o professor Shinn espera que as possíveis iniciativas angolanas de exportação de armas estejam sujeitas à aprovação do parlamento angolano e sejam de grande interesse para a SADC, a União Africana e o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Em 29 de fevereiro de 2019, o Conselho de Segurança adotou uma resolução que estabelece passos rumo ao objetivo de acabar com o conflito na África através de cooperação e parceria internacional reforçadas, além do apoio robusto para operações de paz lideradas pela União Africana.
Adotando por unanimidade a resolução 2457 (2019) no início de um dia inteiro de debate aberto, o Conselho acolheu a determinação das 54 nações da União Africana para livrar o continente do conflito através de sua iniciativa “Silenciar as armas na África até o ano 2020”, expressando sua disposição para contribuir com o objetivo.
A importância dessa resolução é realçada pelo fato de que há, no momento, quinze países africanos envolvidos em guerra ou vivendo conflitos e tensões pós-guerra. Na África Ocidental, os países incluem a Costa do Marfim, Guiné, Libéria, Nigéria, Serra Leoa e Togo. Na África Oriental, os países incluem Eritreia, Etiópia, Somália, Sudão e Uganda.
O Presidente da Angola, João Lourenço, revelou seu plano para fabricar armas russas em uma entrevista exclusiva para a agência russa de notícias Itar-TASS durante sua visita oficial de quatro dias a Moscou, de 2 a 5 de abril de 2019. Ele disse que Angola é um dos principais compradores de armas russas, e que o seu país quer não apenas comprar, mas também produzir.
“Quanto à nossa cooperação militar e técnica com a Rússia, ela continuará e será aprofundada. Gostaríamos de evoluir do nosso estado atual de compradores de equipamentos militares e tecnológicos russos para nos tornarmos fabricantes e termos uma planta de montagem de equipamentos militares russos em nosso país”, disse ele à agência de notícias.
Embora essa tenha sido a primeira visita oficial de Lourenço à Rússia como Presidente da Angola, ele tem profundo conhecimento sobre a capital russa, visto que estudou em sua Academia Político-Militar, de 1978 a 1982.
Ao longo dos anos, a Rússia tornou a “cooperação técnico-militar” uma parte importante de seus objetivos de política externa com a África. De acordo com o Ministro da Defesa de Angola, Salviano de Jesus Sequeira, a Rússia já entregou seis caças SU-30K para a Angola este ano, e outros dois são esperados até o final de maio.
Além disso, Sequeira disse que o país está interessado em comprar os sistemas russos de defesa aérea S-400, mas não há conversas sobre isso por causa de dificuldades econômicas, e acrescentou: “as forças armadas angolanas estão acostumadas a trabalhar com armas russas”. Por esse motivo, a cooperação militar entre os dois países durará para sempre.
De acordo com o relatório do site do Ministério da Defesa, a Rússia concordou em fornecer armas e equipamentos militares a Angola no valor de US$ 2,5 bilhões, incluindo peças sobressalentes para o armamento soviético, armas leves, munições, tanques, artilharia e helicópteros multiuso.
Em um relatório de pesquisa intitulado “Russia and Angola: The Rebirth of a Strategic Partnership” (Rússia e Angola: O renascimento de uma parceria estratégica), que foi divulgado pelo Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA), os autores Ana Christina Alves, Alexandra Arkhangelskaya e Vladimir Shubin reconheceram que “a defesa continua sendo a dimensão de cooperação mais sólida entre Rússia e Angola. Até o presente, a Rússia é o parceiro militar mais estratégico de Angola”.
Ana Christina Alves, Pesquisadora Sênior do Programa de Potências Globais e África da SAIIA, explicou ainda que os “equipamentos militares são, sem dúvida, o maior lado e o mais lucrativo dos negócios da Rússia com a África – cujos números infelizmente não constam nos dados oficiais de comércio bilateral. Se fossem incluídos, o volume de negócios bilaterais se mostraria muito mais impressionante. Essa é, talvez, a dimensão mais forte das transações da Rússia na África atualmente, mas por causa da natureza dos negócios, muito pouco é sabido fora dos círculos militares, e é muito difícil de se ter uma ideia do quadro real”.
A cooperação técnico-militar há muito tem sido uma área prioritária nos laços bilaterais, com o início do fornecimento de armas pela União Soviética para unidades guerrilheiras na década de 1960, disse Andrei Tokarev – Chefe do Centro de Estudos da África Austral, da Academia Russa de Ciências – ao Kommersant, um diário financeiro russo local.
“No entanto, com a queda do regime do apartheid na vizinha África do Sul em 1994 e o fim da guerra civil em 2002, Angola não tem inimigos potenciais, então a necessidade de suprimentos bélicos diminuiu. Nos últimos anos, a liderança de Angola tem tido planos de transformar o país numa base de reparos de equipamentos soviéticos para países africanos. De sua parte, a África do Sul também teve ideias comerciais similares. Não se pode descartar que a proposta de comprar e produzir (fabricar) armas é uma tentativa de superar a África do Sul, mas a indústria local ainda não está pronta para fabricar seus próprios equipamentos militares”, explicou Andrei Tokarev.
Especialistas estrangeiros também expressaram preocupação. O professor Alex Vines, Chefe do Programa África na Chatham House, que recentemente atuou como membro do Grupo de Observadores da Commonwealth para Gana em 2016 e oficial de eleições da ONU em Moçambique e Angola, numa discussão por e-mail reconheceu a cooperação técnico-militar da Rússia com os países africanos.
De Londres, ele escreveu em um e-mail que “a parceria militar angolana com a Rússia tem sido estreita por muitos anos, e uma parte significativa das aquisições através de seu Simportex é com a Rússia”. Isso continua, já que a Rússia entregou seis caças SU-30K este ano e [Angola] está interessada em adquirir o sistema russo de defesa aérea S-400. O novo empreendimento busca uma parceria com a Rússia para fabricar equipamentos de defesa em Angola. A Rússia tem uma série de instalações de manutenção na África… Mas esse seria um empreendimento significativo”.
Além disso, ele disse que, em sua experiência com a Angola, incluindo ser inspetor de sanções da ONU, “os arsenais angolanos não constituíam um grande problema pelo roubo, mas a maior preocupação era a venda de armas e munições antigas, das lojas para corretores independentes, que então vendiam os equipamentos para entidades sancionadas”.
O professor Shinn disse em uma entrevista por e-mail que, particularmente em vista de Angola ter comprado caças SU-30K, é preciso perguntar por que o país precisa de uma aeronave de combate de alto desempenho e quem é o inimigo em potencial? [IDN-InDepthNews – 14 de abril de 2019]