Por Pedro Telles
O escritor fez parte da Turma de 2018-2919 de Atlantic Fellows para a Igualdade Económica e Social no International Inequalities Institute, Escola de Economia e Ciência Política de Londres.
SÃO PAULO (IDN) – Dezenas de milhões de brasileiros começaram a receber pagamentos de renda básica destinados a atenuar o impacto económico da COVID-19, após a aprovação do Congresso de um projeto de lei motivado por uma campanha popular a nível nacional iniciada há apenas três semanas.
Tal como muitas crises, a pandemia do coronavírus serviu para tornar as desigualdades sociais e económicas mais visíveis no mundo todo, muitas vezes de formas muito severas. No Brasil, que registou oficialmente 20 727 casos e 1124 mortes do coronavírus desde 13 de abril (com números reais provavelmente 12 vezes maiores), os mais pobres e mais marginalizados foram os mais afetados, com menos riqueza e menos recursos a que recorrer para se protegerem a si mesmos, à sua saúde e aos seus meios de subsistência.
Com base em décadas de debate em torno da ideia de um rendimento mínimo universal e estimulada pelo impacto da pandemia numa das nações com maior desigualdade do mundo, uma coligação de mais de 160 organizações e movimentos da sociedade civil brasileira aproveitou o momento no mês passado (março) para transformar a teoria em prática com A Renda Básica que Queremos (The Basic Income that We Want).
Lançada a 20 de março, a campanha rapidamente angariou o apoio de mais de 500 000 cidadãos e 3000 influenciadores das redes sociais. Teve também o apoio de cinco organizações-chave: a Rede Brasileira de Renda Básica (Brazilian Basic Income Network), Coalizão Negra por Direitos (Black Coalition for Rights), Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social (Ethos Institute for Business and Social Responsibility), Nossas e o INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos (Institute for Socioeconomic Studies).
A campanha apresentou uma proposta política pormenorizada a diversos membros do Congresso nacional do Brasil, a qual foi então submetida à agenda legislativa. O projeto de lei foi unanimemente aprovado pelos deputados e senadores federais (com alterações negociadas) a 30 de março. Três dias depois, foi aprovada pelo Presidente Jair Bolsonaro, que já tinha anteriormente proposto planos muito mais limitados para complementar o rendimento dos mais vulneráveis do Brasil.
A 9 de abril, a lei tornou-se realidade quando os primeiros pagamentos de 600 R $ (mais de metade do salário mínimo brasileiro) foram emitidos. Beneficiarão diretamente até 59 milhões de brasileiros de baixo rendimento e, indiretamente, o dobro desse número, ou mais de metade da população do país no total. Os pagamentos da renda básica continuarão durante pelo menos três meses, com um potencial prolongamento já previsto na lei aprovada.
“Não temos dúvida de que a nossa campanha a favor de uma proposta política clara e eficaz de renda básica influenciou fortemente a decisão tomada pelo Congresso, que está agora a ser implementada”, disse Leandro Ferreira, presidente da Rede Brasileira de Renda Básica.
“Ao ajudar direta e incondicionalmente aqueles que mais precisam, a renda básica entrou no panorama atual. Começou como uma opção política para lidar com a crise atual, mas deve permanecer em vigor para o que quer que venha depois”, acrescentou Ferreira.
Muitos ativistas, especialistas e políticos esperam agora que a Renda Básica de Emergência se torne permanente depois de a pandemia da COVID-19 diminuir. Existe também a esperança de que se torne universal, em vez de ser limitada àqueles que satisfazem os critérios definidos na lei atual. Significativamente, a nova legislação significa que a renda básica é agora um direito estabelecido no Brasil e retirar um direito a uma renda nunca é fácil, por muito que, no entanto, um Governo possa desejar fazê-lo.
Esta extraordinária conquista, que fará sair ou afastará dezenas de milhões de brasileiros da pobreza, é um lembrete de que as crises podem abrir espaço político para a sociedade civil promover as mudanças políticas que, de outra maneira, seriam difíceis ou quase impossíveis de alcançar. Quando a atenção pública se volta para a necessidade de ação urgente em torno das desigualdades e das suas consequências, os políticos ficam mais sensíveis aos apelos de ações arrojadas.
A nova lei de renda básica do Brasil é um testemunho da força do poder popular ao promover políticas que combatam a desigualdade, ainda que sob o domínio de administrações da extrema direita. Constitui também um exemplo claro de como a sociedade civil pode encontrar oportunidades para definir a agenda durante a crise da COVID-19, exigindo não apenas a renda básica, mas também cuidados médicos universais e outras políticas importantes para a igualdade. A luta contra a desigualdade continua.
Nota: Pedro Telles é também cofundador da Bancada Ativista (Ativista Caucus), um movimento político independente no Brasil focado na eleição de ativistas para cargos políticos e, atualmente, Chefe de Gabinete para o mandato coletivo de Deputado Estatal do movimento em São Paulo – em que oito ativistas que foram eleitos em conjunto com mais de 149 000 votos partilham um único gabinete no maior parlamento estatal do país. Pedro Telles publica tweets em @pedrortelles. [IDN-InDepthNews – 17 de abril de 2020]
Colagem com o mapa dos estados brasileiros por população (do Wikimedia Commons) e cartão da Renda Básica (do Vox).