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Falência global da água e crise do Irã

Por Shabnam Delfani

Londres (London Post) — Enquanto a atenção global se concentra na agitação política e nos conflitos militares, uma catástrofe silenciosa se desenrola: a falência da água, uma crise em que a demanda supera irreversivelmente a oferta, ameaçando os ecossistemas e a sobrevivência humana. O Irã está no epicentro desse desastre, mas o problema repercute em todo o mundo, desde bacias hidrográficas secas até aquíferos superexplorados.

No Irã, mais de 85% dos recursos renováveis de água doce estão esgotados, excedendo em muito os limites de sustentabilidade das Nações Unidas. O Lago Urmia, que já foi o maior lago de água salgada do Oriente Médio, perdeu 90% de seu volume, reduzido a uma extensão rachada de sal. O rio Zayandeh-Rood, fonte vital para cidades milenares, agora permanece seco por meses, provocando protestos em Isfahan. Em 28 das 31 províncias iranianas, 90 milhões de pessoas enfrentam grave estresse hídrico, convivendo com seca, insegurança alimentar e colapso ecológico.

Mais de 1,2 milhão de poços ilegais drenam aquíferos formados ao longo de séculos, acelerando a desertificação. Não se trata apenas de um fracasso ambiental, mas de uma emergência de direitos humanos, já que a segurança hídrica e alimentar — garantidas pela Resolução 64/292 da ONU e pelo Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos — está sendo corroída. Globalmente, a falência hídrica se manifesta em crises diversas, porém paralelas.

Em 2018, a Cidade do Cabo, na África do Sul, evitou por pouco o “Dia Zero”, quando as torneiras secavam, após anos de seca e consumo excessivo.

A bacia Murray-Darling, na Austrália, um importante centro agrícola, sofre com a superalocação e com as secas causadas pelo clima, reduzindo os fluxos dos rios e devastando os ecossistemas. Na Califórnia, EUA, aquíferos superexplorados causaram subsidência do solo, com quedas no nível da água subterrânea de até 30 metros em algumas áreas.

No estado indiano de Punjab, o “celeiro” do país, a irrigação intensiva está esgotando o lençol freático, com 78% dos poços classificados como superexplorados.

Na Cidade do México, a extração excessiva provocou um afundamento de até 10 metros, enquanto o rio Colorado — compartilhado por EUA e México — frequentemente não chega ao delta devido a desvios a montante. Esses casos revelam um padrão global: má gestão, mudanças climáticas e demanda descontrolada estão levando os sistemas hídricos ao colapso.

No Irã, a má gestão interna agrava a escassez natural. Décadas de governança ineficiente priorizaram culturas que consomem muita água, como arroz e cana-de-açúcar, em regiões áridas, sobrecarregando recursos limitados. Transferências interbacias e métodos de irrigação ultrapassados — com 90% da água agrícola perdida por ineficiência — pioram a crise. Uma “máfia da construção de barragens” ergueu represas mal planejadas, interrompendo fluxos fluviais e deslocando comunidades. Especialistas ambientais foram marginalizados, e seus alertas ignorados. Enquanto isso, as sanções internacionais agravam o desastre ao bloquear o acesso a tecnologias modernas de tratamento de água, inovações em irrigação e financiamento climático. Embora não visem explicitamente o meio ambiente, seus efeitos são inegáveis: projetos de restauração paralisados, pesquisas interrompidas e esforços de desenvolvimento sustentável estagnados deixam o Irã despreparado para se adaptar.

Mulheres em áreas rurais carregam um peso desproporcional. Como principais responsáveis pela gestão da água e pela produção de alimentos nos lares, enfrentam jornadas extenuantes para buscar água, preços de alimentos em alta e maior tensão doméstica quando os recursos desaparecem. Ainda assim, são amplamente excluídas da governança hídrica — uma falha sistêmica que prejudica as soluções. Valorizar o conhecimento e a liderança das mulheres não é apenas justo — é essencial. A crise iraniana ultrapassa fronteiras, ameaçando a estabilidade regional. O ressecamento de rios compartilhados, como o Helmand, o Tigre e o Aras, pode agravar tensões com Afeganistão, Iraque e Turquia. O deslocamento interno de áreas rurais para urbanas sobrecarrega as cidades, alimentando a agitação e alterando a demografia. Sem ação, a escassez de alimentos e a migração climática podem desestabilizar o Oriente Médio, com repercussões globais. O mundo não pode ignorar esses riscos.

Globalmente, as disputas transfronteiriças pela água estão aumentando. A Grande Barragem Renascentista Etíope do Rio Nilo gerou tensões com o Egito e o Sudão, que temem a redução dos fluxos. Na Ásia Central, o uso excessivo do Amu Darya ameaça os meios de subsistência no Uzbequistão e no Turcomenistão. Esses conflitos evidenciam a necessidade de gestão cooperativa da água — uma lição que os vizinhos do Irã devem aprender. Combater a falência hídrica exige ação urgente e coordenada.

No Irã, o governo deve declarar uma emergência nacional de água para desbloquear o apoio internacional e acelerar reformas. As práticas agrícolas precisam mudar: substituir 30% das culturas de alto consumo por variedades resistentes à seca, modernizar a irrigação em 5 milhões de hectares e financiar a agricultura regenerativa poderia economizar bilhões de metros cúbicos anuais. A extração ilegal de água deve cessar, usando monitoramento por satélite para fechar poços não autorizados e aplicar cotas provinciais de uso subterrâneo. É fundamental empoderar mulheres e jovens — garantir 30% de representação feminina nos conselhos de gestão da água e criar um Corpo Jovem pelo Clima para coleta de dados e inovação poderia mobilizar um potencial inexplorado.

A diplomacia hídrica deve ser revitalizada por meio de tratados regionais e supervisão independente para administrar de forma justa os rios compartilhados. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Irã deve passar de projetos simbólicos para um papel transparente e focado na justiça, priorizando a resiliência climática em vez de métricas. Globalmente, medidas semelhantes são necessárias.

A Autoridade da Bacia Murray-Darling, na Austrália, introduziu a recompra de água para reduzir a superalocação — um modelo de gestão sustentável. Os sistemas de irrigação por gotejamento de Israel, que economizam 60% de água em comparação com os métodos tradicionais, oferecem um modelo de eficiência. As iniciativas de coleta de água da Jordânia demonstram soluções de baixo custo para regiões áridas. Esses sucessos mostram que as soluções existem, mas exigem vontade política e investimento.

Água não é arma política, nem alimento é mercadoria sancionável. A justiça ambiental não é negociável, enraizada na Carta da ONU, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de 2030 e nos marcos internacionais de direitos humanos. O ODS 6 (Água Potável e Saneamento) e o ODS 13 (Ação contra a Mudança Global do Clima) não podem ser alcançados se a segurança hídrica for politizada ou ignorada.

O colapso do Irã não é um alerta distante — é uma realidade presente. Globalmente, 2 bilhões de pessoas vivem em regiões com estresse hídrico, um número que deve aumentar para 3,5 bilhões até 2050. A ONU estima que 40% da população mundial enfrenta escassez de água, com 700 milhões em risco de deslocamento até 2030 devido à seca. Esses números não são abstratos — representam vidas, meios de subsistência e ecossistemas à beira do colapso. O silêncio da comunidade internacional sobre a crise do Irã é cumplicidade. A lentidão burocrática e a cautela política devem dar lugar a ações ousadas. A ONU, os governos e a sociedade civil devem priorizar a água como um direito humano, não como moeda de troca.

No Irã, o governo, o PNUD e os parceiros globais devem agir rapidamente para evitar um colapso ainda maior. Globalmente, as nações devem aprender com a situação do Irã, investindo na gestão sustentável da água antes que seus próprios sistemas falhem. Os princípios de paz, dignidade e justiça — consagrados na Carta da ONU — dependem da segurança hídrica. O mundo não pode se dar ao luxo de esperar até que o último rio seque para agir. A falência hídrica do Irã é um fracasso moral e regional, um lembrete contundente de que a inação tem consequências. Devemos agir agora, antes que a crise global da água se torne a ruína da humanidade.

Este artigo é produzido pelo London Post, em colaboração com a INPS Japan e a Soka Gakkai International, com status consultivo no ECOSOC da ONU.

A autora, Prof. Shabnam Delfani, é Embaixadora Verde para a região MENA e Embaixadora Mundial da Paz das Mulheres.

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