Castigado por ondas de calor e seca, o oeste do Nepal está ficando sem agua
Unnati Chaudhary, de Kailali
As montanhas do oeste do Nepal sempre enfrentaram escassez de alimentos devido à falta de irrigação. Como resultado, os agricultores migraram para as planícies, onde o cultivo é mais viável.
Entretanto, uma forte onda de calor neste ano, combinada com uma monção atrasada – fenômeno climático caracterizado por ventos sazonais que trazem chuvas essenciais para a agricultura – desencadeou uma crise hídrica que ameaça os avanços do Nepal no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. A crise climática é uma crise hídrica, que afeta a produção de alimentos, a nutrição e a disponibilidade de água potável na região.
Mas nem tudo pode ser atribuído à crise climática. Poços que costumavam ser o último recurso para o plantio de arroz, por exemplo, secaram devido à queda dos níveis do lençol freático.
Na cidade de Attariyia, situada à beira da estrada, havia cinco poços tubulares profundos que abasteciam 4 milhões de litros de água por dia para as 5.500 residências locais. Nos últimos três anos, apenas um deles não secou. Em resposta, a prefeitura perfurou mais quatro poços de 80 metros de profundidade, mas os novos poços só fornecem a quantidade de água necessária para seis meses do ano.
Em Dhangadi, cidade de 300 mil habitantes na fronteira com a Índia, a prefeitura cavou três poços profundos depois que os poços domésticos ficaram sem água. Neste verão, até os poços tubulares secaram. A situação é semelhante em outras cidades próximas à fronteira.
Especialistas apontam que a redução dos níveis dos aquíferos se deve principalmente ao uso excessivo de água subterrânea, tanto no Nepal quanto na Índia, onde os agricultores recebem subsídios para a eletricidade usada nas bombas de irrigação. As indústrias e fazendas locais também perfuraram seus próprios poços, esgotando o que antes era uma abundante fonte de água subterrânea.
“Quando o inverno termina, a água começa a secar”, diz Phulram Chaudhary, da cidade vizinha de Krishnapur. “Até a chegada da monção em junho, ficamos sem água nenhuma.”
De fato, cidades e vilarejos em busca desesperada por água estão perfurando poços cada vez mais profundos, utilizando uma reserva cada vez mais escassa de água subterrânea. A cidade de Milanpur cavou um poço artesiano de 90 metros de profundidade, mas ele secou em apenas dez dias.
A exploração excessiva da água subterrânea devido ao aumento da população e ao crescimento do uso doméstico e agrícola agravou o impacto da crise climática. Isso resultou em secas crônicas no inverno, ondas de calor e monções irregulares no oeste do Nepal.
“Há dez anos, bastava perfurar 20 metros para garantir água o ano inteiro. Hoje, não há água nem a 80 metros”, conta Kalidevi Chaudhary, agricultora de Kailari.
Ela diz ainda: “Não temos água nem para beber. Sobre irrigação, nem me fale.”
De acordo com Sudeep Thakuri, especialista em água e professor do departamento de ciências ambientais da Universidade de Tribhuvan, estudos revelam que os níveis do lençol freático em Tarai diminuíram. Isso se deve principalmente à exploração excessiva, à desnudação nas áreas de captação na região de Chure, à extração de areia nos rios e às mudanças climáticas.
“Interferimos no ciclo da água e a crise climática agravou o problema com longas secas e monções imprevisíveis”, afirma Thakuri. “Isso resulta em uma recarga insuficiente da água subterrânea.”
Com o crescimento dos assentamentos em Tarai e o aumento da demanda por água, a distância entre poços artesianos e poços tubulares também diminuiu. Em Kailali e Kanchanpur, foram perfurados 140 poços, dos quais apenas 91 ainda possuem água.
De acordo com os escritórios locais da Divisão de Recursos Hídricos Subterrâneos e Desenvolvimento de Irrigação, a água também foi extraída de 1.001 poços tubulares profundos nesses dois distritos.
As administrações provinciais e locais do Nepal têm investido significativamente em subsídios para a perfuração de poços de água subterrânea, seguindo a política federal que prevê a máxima utilização desse recurso, com um orçamento para perfurar 100 poços artesianos.
Tara Dutta Joshi, líder do projeto de irrigação de Mahakali, no distrito de Kanchanpur, afirma que, embora o plano fosse usar a água subterrânea extraída desses projetos pelos próximos 20 anos, 6 dos 90 poços artesianos já estão secos.
Os poços tubulares bombeiam água de até 40 metros de profundidade, mas na maior parte do Tarai ocidental não há mais água nessa profundidade. Já os poços artesianos precisam ser perfurados até 110 metros, e a água artesiana é extraída entre 110 e 400 metros abaixo do solo.
Especialistas afirmam que a água subterrânea de Tarai está sendo usada como moeda de troca por políticos, que perfuram poços de forma arbitrária para agradar os eleitores. Não há pesquisas suficientes nem políticas claras sobre a quantidade de poços que podem ser perfurados em áreas específicas e a quantidade de água que pode ser extraída.
Sankar Dutta Awasthi, da vila de Kailari, afirma que a descentralização federal resultou em uma competição entre os políticos locais para ver quem poderia fornecer mais água para seus eleitores. De fato, 1.200 pequenos projetos de captação de água subterrânea foram construídos nesta municipalidade desde a formação do governo local em 2017, além de projetos de maior escala realizados pelos governos provincial e federal.
“Os políticos estão muito mais preocupados em garantir projetos de captação de água subterrânea continuamente em suas bases eleitorais do que em entender como essa extração descontrolada impactará a região no futuro”, diz Awasthi.
Há quatro anos, foi perfurado um poço para irrigação em Kailari para Ramesh Chaudhary, mas a água secou em dois anos antes que o canal fosse concluído. Na vila vizinha de Rampur, um poço tubular de 200 metros de profundidade perfurado para irrigação também secou.
“A água nunca chegou a nenhuma lavoura, um desperdício de 10 milhões de rúpias”, diz Chaudhary.
O especialista em recursos hídricos Tarka Raj Joshi observa que, há algumas décadas, um único poço tubular era suficiente para sustentar uma vila, enquanto hoje nem mesmo três poços em uma única residência são suficientes para suprir as necessidades básicas de água.
“As políticas de distribuição de água dos governos local, provincial e federal terão um grande impacto nos níveis de água subterrânea em Tarai”, diz Joshi. “Ninguém está pensando no que essa crise significa para o futuro.”
“A escassez hídrica ameaça os avanços do Nepal na redução da mortalidade infantil, conforme previsto nos ODS, já que as crianças são obrigadas a consumir água contaminada. A nutrição delas também é afetada, pois a produção de alimentos diminui com a falta de água para irrigação. Tudo isso contribui para a tendência de migração.”
A solução passa por permitir a recarga do lençol freático através da regeneração das árvores na região de Chure, implementar zoneamento para regular a urbanização desenfreada e taxar a extração de água subterrânea profunda. Além disso, deve-se canalizar água dos rios Karnali e Mahakali para aumentar a disponibilidade de água e diminuir a dependência dos aquíferos.
Escassez hídrica expulsa moradores de Surkhet
Devido ao atraso no início das chuvas de monção em junho, a vila de Rekcha sofreu com uma severa escassez de água.
Os habitantes começaram o dia como sempre, colocando jarros em suas cestas de palha junto às torneiras comunitárias. Porém, em vez de irem aos poços buscar água, caminharam até a prefeitura para protestar.
O Comitê de Luta pelo Abastecimento de Água da vila, liderado pelo representante comunitário Tapendra Chhetri, teve que recorrer a uma manifestação em frente à prefeitura devido ao desespero por água.
Rekcha era considerada um local ideal para os colonos devido ao seu solo fértil e à água abundante. No entanto, os 11 poços da vila, que forneceram água para sustentar suas famílias por décadas, estão todos secos agora.
“Agora, os moradores coletam o pouco de água que resta no fundo dos poços, usando pano para filtrá-la”, diz o representante Chhetri. “Esta vila está morrendo de sede.”
A grave escassez hídrica começou a expulsar os moradores. Até cinco anos atrás, a vila de Rekcha tinha 115 famílias, mas 35 delas já migraram para outros lugares. Khagisara Shahi foi uma das moradoras que caminhou com seu jarro até a sede do município rural. Assim como os demais vizinhos, ela está encontrando cada vez mais dificuldade em sobreviver em Rekcha.
“Nossos pedidos foram ignorados, então caminhamos até aqui com nossos jarros para alertar a liderança sobre nossa situação,” afirma Shahi. “Conseguimos nos adaptar em outras situações, mas viver sem água é impossível, ainda mais com o calor aumentando.”
Mesmo antes de os poços da vila secarem, era necessário passar horas na fila para coletar água para uso doméstico. Agora, a caminhada até outras fontes de água é ainda mais longa, e o trabalho pesado recai sobre as mulheres.
“Não dá tempo de fazer todo o trabalho doméstico, cuidar da fazenda, dos animais e buscar água em um só dia,” diz Shahi.
Quatro anos atrás, o município rural planejou trazer água do rio Karnali até a vila, alocando um orçamento de 17,2 milhões de rúpias. Porém, o projeto não foi adiante devido a dificuldades de acesso pelas estradas.
Khadka BK, presidente do município rural de Chaukune, afirma que os recursos do governo local não serão suficientes para fornecer água potável a Rekcha. “A localização remota da vila exige o apoio dos governos federal e provincial.”
Enquanto isso, os moradores observam a água cristalina do rio Karnali, que é alimentado pela neve derretida, enquanto seus campos permanecem secos e seus filhos reclamam de sede.
Laxmi Bhandari
INPS Japan/Nepali Times
This article is brought to you by Nepali Times, in collaboration with INPS Japan and Soka Gakkai International, in consultative status with UN ECOSOC.